terça-feira, 22 de junho de 2010

Classe C + comida + franquias = expansão

Portal EXAME

24.04.2009
http://www.portalexame.abril.com.br/

Quatro empreendedores mostram por que este momento pode ser estratégico para o crescimento das redes de franquia de fast food - e de outros pequenos e médios negócios que se beneficiam do aumento de renda das classes populares

Entre os mercados que mais cresceram recentemente junto com a economia, poucos parecem ter exibido tanto vigor quanto o de franquias de alimentação. Segundo um levantamento da Associação Brasileira de Franquias, no ano passado o número de redes de fast food chegou a 280 no país - o maior entre todas as redes de franquia. Essas cadeias faturaram 9 bilhões de reais em 2008 - 170% mais que há nove anos. Em grande parte, essa explosão foi nutrida pelo maior poder aquisitivo das camadas populares. "Além disso, a escala do modelo de franquias possibilitou preços aceitáveis a elas", diz Marcus Rizzo, consultor especializado em franquias. "E preços baixos também devem atrair pessoas das classes mais altas, afetadas pela crise." Do outro lado do balcão, este parece ser um bom momento para planejar a abertura de novos pontos. Nos últimos meses, aumentaram os interessados no setor. Boa parte é formada por gente do mercado financeiro que perdeu o emprego, mas tinha um bom pé-de-meia. Outros são investidores que tiraram o dinheiro de aplicações financeiras. "O volume de pessoas em busca de assessoria para abrir uma franquia dobrou desde o início do ano", diz a consultora Cláudia Bittencourt. Outra consequência é a melhoria de nível dos interessados. Dois anos atrás, os executivos do grupo Cherto analisavam em média 220 candidatos até encontrar um qualificado para as redes que eles representam. Neste ano, um em cada 48 atinge as exigências. Por essas razões, empreendedores como os que figuram nas próximas páginas não suspenderam os planos de expansão para 2009. Conheça suas histórias.
Receita caipira

A Roasted Potato cresceu no interior dos estados, onde a concorrência ainda é menor do que nas grandes capitais
Carla Aranha
Quando Modesto Carone Junior, de 53 anos, e sua mulher, Maria Lucia Carone, de 51, criaram a Roasted Potato, em 1986, o plano era oferecer batatas recheadas aos consumidores de cidades no interior e em capitais de médio porte, como Campo Grande, em Mato Grosso do Sul. "Havia poucos negócios servindo batatas iguais às nossas, e eles estavam nos grandes centros", diz Carone. "No interior, praticamente não havia concorrência." No ano passado, o negócio, que começou na cozinha da casa de Maria Lucia em Presidente Prudente, no interior paulista, faturou 43 milhões de reais, 16% mais que em 2007.

Modesto Carone Junior e Maria Lucia Carone

A história da Roasted Potato é um exemplo de como muitas pequenas e médias empresas podem aproveitar mercados pouco explorados para crescer e construir as bases de um negócio competitivo. Hoje, mais da metade das 55 lojas da Roasted Potato - todas funcionando no sistema de franquias - fica fora das capitais. Em São Paulo, a primeira unidade só foi inaugurada quando a rede tinha mais de 15 anos. Era 2002 e pouca gente da cidade conhecia o nome Roasted Potato - uma situação que não mudou tanto assim desde então.

Longe de cidades como Rio de Janeiro e São Paulo, no entanto, a Roasted Potato tornou-se um nome forte - sobretudo nos últimos anos, quando a expansão dos shopping centers pelas cidades mais prósperas do interior criou um terreno fértil para pequenas e médias empresas que, como a Roasted Potato, se dedicaram a cultivar uma parte pouco explorada do mercado brasileiro.

Para fazer a rede progredir, o casal Carone precisou lidar com dificuldades comuns a negócios iniciantes em mercados pouco maduros. Um dos primeiros desafios foi encontrar fornecedores de batatas grandes como as que Carone e a mulher haviam provado em viagens aos Estados Unidos e em concorrentes, como a paulistana Baked Potato. "Precisei percorrer os sítios da região de Presidente Prudente inteira até encontrar um agricultor disposto a cultivar uma variedade de batata que praticamente não interessava ao mercado naquela época", diz Carone.

Em pouco tempo, as oportunidades provaram ser maiores que as dificuldades. Apenas dois anos depois de abrir a primeira loja, o negócio já era promissor a ponto de fazer Carone vender a principal fonte de renda da família - uma torrefadora de café - para se dedicar completamente às batatas. "As cidades pequenas e médias concentram hoje grande parte do potencial de crescimento do consumo", diz Luiz Góes, sócio da consultoria Gouvêa de Souza & MD, especializada em varejo. "Quem soube tirar proveito disso conseguiu se fortalecer."

O foco no interior, onde custos como aluguel de pontos-de-venda e mão-de-obra costumam ser menores, permitiu manter preços relativamente baixos, adequados ao poder aquisitivo dos consumidores. "Desde o começo, percebemos que precisávamos ter custos baixos", diz Carone. "As margens teriam de ser pequenas e o lucro dependeria do volume."

Para o consumidor, uma batata na Roasted Potato custa em média 12 reais - 25% menos que o cobrado na concorrência em São Paulo. Assim, à medida que a Roasted Potato se expandia, a lógica original, de fugir da concorrência, levou a um modelo de negócios que Carone e Maria Lucia acreditam ser ideal também para conquistar os consumidores da classe C dos centros maiores, onde o casal agora enxerga as novas oportunidades de crescimento.

A rede, que só estava presente em shoppings, neste ano deve contar com lojas de rua em São Paulo e Belo Horizonte. A previsão para 2009 é abrir 16 lojas nas capitais - por onde passam as grandes multidões formadas pelas classes populares. O plano é fechar o ano com um crescimento quase 40% superior ao resultado de 2008. "Com ou sem crise, quem trabalha precisa comer fora", diz Maria Lucia. "Duvido que cortem um alimento tão básico quanto a batata."

O mate das multidões

A Megamatte cresceu vendendo lanches baratos para os consumidores da parte de baixo da pirâmide
Carla Aranha
Antes de aprovar um novo ponto para a rede de franquias de fast food Megamatte, de bebidas à base de chá servidas com lanches, o português Júlio Dias, de 52 anos, repete sempre um ritual. Ele vai até a calçada em frente da futura loja e vira a cabeça para o alto. O negócio só vai adiante caso veja vários edifícios nos arredores. "A melhor coisa é quando nem dá para ver o céu", afirma Dias. "É sinal de que vai haver muita gente circulando nas proximidades, o que garante movimento." Nos últimos tempos, o empresário tem olhado bastante para cima. No ano passado, foram abertas 19 lojas - uma em São Paulo e 18 no Rio de Janeiro, onde a Megamatte foi fundada, em 1994, por Dias e a mulher, a carioca Fátima Rocha, de 46 anos.

Júlio Dias e Fátima Rocha


A partir de agora, Dias pretende esquadrinhar cada vez mais os céus paulistanos, para abrir pelo menos um terço das 30 novas lojas previstas para este ano. Com lanches que custam a partir de 3 reais, os sócios esperam chegar ao maior mercado brasileiro de fast food com pratos competitivos para conquistar os consumidores de menor poder aquisitivo. "A classe C é para nós um público muito importante, que cresce a cada dia e busca opções mais saudáveis e rápidas, como os lanches que servimos", diz Fátima. "Por isso, mesmo com a perspectiva de crescimento econômico menor no país, não pretendemos mudar em nada nossos planos de expansão."

Ela e o marido esperam que as novas unidades ajudem a atingir a meta de crescer 75% em 2009, fechando o ano com uma receita de 38,2 milhões de reais. Bons resultados na capital paulista são importantes para que a Megamatte possa dar andamento à sua expansão pelo país - até 2011 Dias e Fátima preveem abrir filiais também no interior de São Paulo e em capitais como Curitiba e Salvador.

As lojas paulistanas foram adaptadas às preferências do consumidor local, com a inclusão de bebidas quentes, como mate com chocolate ou Ovomaltine. "Além disso, depois que uma pesquisa interna mostrou que em São Paulo os clientes preferem a palavra chá em lugar de mate, mudamos o nome das bebidas nos nossos cardápios", diz Fátima.

O casal espera fazer funcionar em São Paulo as estratégias que sustentaram o crescimento no mercado carioca durante os últimos anos. Desde 2000, a Megamatte vem tentando se estabelecer como uma cadeia de fast food que associa mate a comida saudável. Esse posicionamento fez com que as frituras fossem substituídas por salgados assados. Agora, em vez de coxinhas e bolinhos de mandioca, o cliente encontra pastéis de forno, sanduíches naturais e croissants integrais. "Acreditamos que a onda saudável é muito forte em São Paulo", afirma Fátima.

Fátima, responsável pela qualidade da comida, acredita que os lanches saudáveis possam ser um dos trunfos para, apesar de a Megamatte ser voltada para o público popular, agradar também aos consumidores de maior poder aquisitivo. É assim no Rio de Janeiro. Há lojas tanto em bairros nobres, como Leblon e Ipanema, como em regiões de comércio popular da Baixada Fluminense. Na capital paulista, os planos incluem pontos-de-venda em locais como Itaim Bibi, habitado pela classe média, e em ruas populares, como a Teodoro Sampaio, em Pinheiros, que reúne consumidores de todas as faixas de renda. Dependendo da localização, os preços do cardápio variam até 20%.


São Paulo é um grande teste para Dias e Fátima. Na capital paulista, a rede vai enfrentar a concorrência da Rei do Mate, criada no final dos anos 70 e hoje com 265 lojas, distribuídas em 16 estados. "É uma concorrência saudável", diz Antonio Carlos Nasraui, diretor da Rei do Mate. "Ainda há muito espaço para crescer com chás no fast food."